sexta-feira, 19 de julho de 2013

Parte 5

4. A ARANHA

         - Não acho que esse fogo será suficiente para me aquecer, as poucas roupas que trouxe estão encharcadas – César estava nu, havia esticado os dois pares de calças e as duas camisas perto da fogueira, com esperança que secassem até a noite.
         “Você está realmente hilário vestido só de botas meu caro” – a risada do cavalo ecoava na cabeça de César, e ele se lembrou das risadas que dava com seu amigo Gustavo.
         - Precisamos achar um abrigo, pelo cheiro no ar, daqui a algumas horas voltará a chover. Já bastam minhas roupas estarem molhadas, não quero passar a noite embaixo d’água também.
         Recolheu as roupas do chão, ainda úmidas, e seguiram adiante, até que encontraram uma pequena construção de bambus, formando uma casinha minúscula e bem rudimentar.
         “Caçadores acamparam aqui, mas pela vegetação invadindo, não aparecem há muito tempo. Não se importarão que fiquemos por esta noite.”
         Para entrar, o cavalo teve que se espremer e deitar de imediato, pois quase derrubou o teto feito de folhas de palmeira. Lá dentro conseguiram um metro de distancia entre eles. Aquela pequena construção foi um achado de sorte para eles, uma vez que depois de uma hora instalados, a chuva começou a cair pesada. As folhas deixavam passar algumas gotas. Uma das goteiras estava bem acima da cabeça do cavalo. “Era só o que me faltava”.
         Com o cair da noite, e a chuva forte, o frio também chegou. César com as roupas úmidas, ainda sem poder vesti-las, tentava se aninhar o máximo que conseguia em forma de concha.
         - Sabe, todas as roupas que eu tenho, foram feitas pela minha mãe.
         “Não me diga meu caro, é uma grande costureira então.”
         - Sim, a melhor da vila. Foi dessa forma que ela me sustentou desde que nasci, costurando para todos. Assim ela conseguia pôr comida na nossa mesa. Eu me orgulho muito dela, do quanto ela trabalhou por nós dois. Depois que cresci e ganhei alguns músculos, pude ajudar trabalhando na lavoura de alguns vizinhos. Ajudava no plantio e na colheita. Dessa forma, conseguíamos uma parte da comida. Mesmo quando eu já colocava a comida na mesa e não era mais preciso que ela trabalhasse tanto, mesmo assim ela continuou.
         “Uma grande mulher sua mãe, criando você sozinha.”
         - Poucas pessoas na vila foram complacentes com ela. Entre elas a família de Gustavo. A maioria dos outros achava que ela era uma meretriz, por ter se entregue a um homem que esteve apenas de passagem na vila, e que depois a abandonou. Eu nunca a julguei por isso, porque ela foi a melhor mãe que eu pude ter. Nunca senti falta de ter vivido sem um pai.
         “Ela nunca falou nada sobre esse homem com você?
         - Ela só disse que ele havia nos deixado, só isso.  – César estava tremendo, a temperatura baixava a cada instante.
         “César, estou preocupado com você, suas roupas ainda estão molhadas?”
         - Estão úmidas, se eu as colocar agora irei congelar mais do que já estou. Sabe, estou aqui pensando...
         “Em que meu amigo?”
         - Na falta que me faz minha mãe. Em todos os cobertores quentes que ela já costurou para mim. Nas colchas de retalho. Nos casacos de lã de ovelha. Não sei se irei agüentar esta noite amigo, estou com muito frio.
         Foi então, que lá de cima do teto de folhas, desceu sutilmente por uma fina teia, uma minúscula aranha de cor avermelhada. Os dois olharam, parecia que ela flutuava. Foi descendo devagar. E pousou no ombro de César. E então, ele pode ouvi-la:
         “Não se preocupe meu querido, você vai agüentar esta noite, porque eu estou aqui para ajudá-lo.”
         - Boa noite dona aranha. Desculpe, mas como a senhora poderá me ajudar? – disse César surpreso.
         “Ah ela pode César, tenha fé!” – disse o cavalo, ele parecia sorrir ao ver a aranha, parecia que eram velhos amigos – “Como vai a senhora?”
         “Vamos indo não é meu caro?” – havia ela dado uma piscadela para ele? – “Não vou deixar que passe frio meu querido César. Irei fazer para você uma manta com a minha teia.”
         No mesmo instante, a aranha começou a tecer um entrelaçado de fios, com uma rapidez inacreditável. E eles foram vendo aquela rede branca tomando forma em frente a eles. Ia engrossando e ficando mais comprida. Perceberam que a aranha estava ofegante, mas não parava. Tinha pressa, quanto antes terminasse antes César teria o manto para se aquecer.  Depois de meia hora de trabalho duro, ele estava pronto.
         “Cubra-se César, isto manterá você aquecido.”
         Ele pegou aquela peça de teia branca e se enrolou com ela. Era macia e grudenta. Colou em sua pele. Mas serviu a seu propósito, pois no mesmo instante César sentiu o calor voltar ao seu corpo.
         - Como posso agradecê-la dona aranha? Estarei vivo amanhã de manhã graças à senhora!
         “Ora filho, não me agradeça, estou aqui para ajudá-lo. E esse é o trabalho das aranhas não é? Tecer suas teias? Pretendo seguir viagem junto a vocês, sou leve e posso ir no seu ombro. Tenho certeza que serei de grande serventia. Posso tecer teias rapidamente, e elas poderão ser de grande valia em vários momentos. Posso subir nas árvores para termos uma perspectiva do caminho, entrar em pequenos buracos para procurar comida.”
         - Então estamos acertados, você segue conosco. Está de acordo cavalo? Não tem medo de aranhas? – César deu uma risada.
         “Estou de acordo, desta aranha não terei medo.” – riu junto.
         - Então vamos dormir, amanhã é mais um dia. Temos que seguir em frente.
         César rapidamente pegou no sono, confortável e aquecido pela manta de teias.

         Pela manhã, a chuva havia parado. Eles acordaram com o som dos passarinhos que cantavam sobre o teto de folhas da pequena casinha. Eles pareciam dizer todos ao mesmo tempo: “levante César, já está na hora, você precisa continuar”.
         “E então?” – disse a pequena dona aranha – “Qual será o desjejum do nosso bravo e corajoso César?”.
         - Bravo e corajoso são por sua conta – riu César – mas realmente, estou faminto, precisamos buscar alimentos.
         O trio se despediu da casinha, pensando na sorte de terem-na encontrado no dia anterior, e com a certeza de que ela foi o último abrigo decente que encontrariam pelo caminho. Vagaram algumas horas pela floresta. César já usava as roupas secas, e nos ombros tinha a manta de teias, como se fosse uma capa, e no lado direito a aranha como sua escudeira. Caminhava ao lado do cavalo, pois a mata estava muito fechada e não poderiam correr. César decidiu poupar o cavalo de seu peso durante a caminhada. Os passos eram lentos e cuidadosos, o cheiro do verde preenchia a narina dos dois. O orvalho ainda escorria por algumas folhas. Os pequenos animais já estavam acordados e faziam barulho fugindo daqueles intrusos na floresta.
         Depois de algum tempo, perto do meio dia, notaram que a mata ficava menos densa e conforme prosseguiram deram de cara com uma grande campina sem fim, e ao longe, bem ao longe, montanhas. O cume delas parecia ser coberto de neve.
         “Não podemos prosseguir pelo campo enquanto não acharmos comida na floresta.” – disse o cavalo – “Temos que voltar e procurar.”
         - Mas se entrarmos novamente, sem rumo, iremos nos perder, e alguma coisa me diz que aquelas montanhas são a direção certa!”
         “Isso nós resolveremos simplesmente.” – disse a aranha – “Conforme vamos entrando, eu irei tecendo uma linha. Vamos prender o início da linha nesta última árvore e seguimos floresta adentro. Para achar o caminho de volta recolheremos a linha que deixamos pelo caminho.”
         “Excelente minha amiga, é isso mesmo que faremos, assim poderemos procurar comida para nosso amigo César!”
         Rapidamente a aranha teceu um nó envolto no galho mais baixo da última árvore antes da campina, e pulou novamente para o ombro de César. Os três adentraram na floresta, enquanto a linha branca se formava atrás deles. Se vista de cima, a linha ia formando um desenho em ziguezague, o que dava mérito a pequena aranha, pois sem a linha e percorrendo aquele caminho tão cedo não encontrariam o caminho de volta à campina. Depois de cerca de vinte minutos, deram sorte e encontraram uma macieira. Este seria o almoço de César, e a janta provavelmente.
         As maçãs eram de um tom de vermelho tão vivo, que quase pareciam de mentira de tão bonitas. Parecia um convite para que as devorassem. Aquela árvore, ali, parecia fora de lugar. Não se viam muitas árvores frutíferas na floresta, ainda mais na parte mais densa dela. Então, resolveram aproveitar a oportunidade que calhava tão bem. César colheu algumas maçãs para a janta e as colocou na mochila. As do almoço devorou ali mesmo. De repente, começou a se sentir sonolento, os músculos começaram a relaxar, as pernas já não tinham mais força. Ele precisava dormir.
         - Céus, não sei o que está acontecendo comigo, mas estou com muito son... – e tombou no chão.
         “Ah eu sei o que está acontecendo!” – disse o cavalo para a aranha – “Essa árvore não estava aqui antes! Eles fizeram isso para nos atrasar, nos impedir de chegar a tempo!”
         “E agora amigo, o que faremos?”
         “Eu digo o que faremos. Você irá costurar duas cordas grandes envolvendo os braços dele. Elas irão até o galho que esta sobre nós e descerão até mim. Será uma espécie de roldana, para que eu possa puxá-las com a boca a fim de erguê-lo e colocá-lo em minha garupa!”
         Rapidamente a aranha começou a costura em volta dos braços de César. Deus um pulo até o tronco da árvore e foi subindo e tecendo. Depois de algum tempo já estava no galho acima do cavalo e tecia a teia agora para baixo, descendo até parar na boca do cavalo. O trabalho todo foi bem trabalhoso. Demorou uma hora para a confecção das cordas e mais alguns minutos na tentativa de puxar o garoto. Mas funcionou. Depois de muito cansaço de ambos, César estava deitado de barriga sobre o lombo do cavalo. A aranha sentou sobre a cabeça do amigo cavalo e lá foram eles vagarosamente seguindo a linha de teia para fora da floresta.  Depois de alguns minutos se depararam com a campina novamente e pensaram juntos: “Graças a Deus!”.