quarta-feira, 24 de abril de 2013

Parte 1

1.   A MANHÃ

         Quando acordou assustado pela manhã, aquilo tudo parecia ter sido um sonho para César. Ele levantou ao som da chuva forte, a barriga estremecendo de fome. Vestiu a mesma roupa do dia anterior, a camisa de algodão azulada, as calças largas brancas já bem manchadas e as botas marrom que amarravam ate o tornozelo. Olhou-se no reflexo do espelho e os olhos azuis escuros brilharam, ainda havia um pouco de sono neles.  Ajeitou os cabelos castanhos ondulados com as mãos. O cordão com o pingente que havia encontrado no lago estava ali, mas a cor parecia ter mudado. Quando o encontrou na tarde anterior, a pedra era de um verde lindo, e agora, estava apenas de um tom marrom, sem nenhuma graça. Mesmo assim o colocou no pescoço, por dentro da camisa. Sua mãe já o esperava na pequena cozinha:
         - César, o que aconteceu na noite passada?
         - Fez ovos? Estão cheirando bem... O que tem neles?
         - César? – ela olhava com certo ar de indignação – eu lhe fiz uma pergunta. Tive que te carregar até o quarto esta noite, depois de ouvir você tombar na porta da frente. Na verdade eu ouvi o barulho, mas não imaginava que fosse você. Chamei seu nome, sacudi, e mesmo assim você não acordou.
         - Ah, então foi você que me levou? Como conseguiu isso?
         Realmente era algo a se pensar, uma vez que César era muito alto, com cerca de 1,80 metros e oitenta e poucos quilos. Já sua mãe, uma baixinha de 1,60 metros, e com alguns quilos a mais do que deveria. O pai, desconhecido.
         - Eu simplesmente te arrastei, com todas as minhas forças, bati suas pernas em todos os móveis pelos quais passamos, e mesmo assim você não acordou, fiquei preocupada e resolvi chamar o Dr. Pernáculo.
         - Você saiu no meio da madrugada para chamar aquele vovozinho mãe? – ele estava realmente bravo.
         - Saí, mas não encontrei ninguém na casa dele. Hoje pela manhã, fui até a vizinha, pedir um pouco de farinha, e não havia ninguém também... Senti que a vila está meio vazia. – havia um ar de preocupação na voz dela.
         - Devem ter ido à feira do vilarejo vizinho – disse César, para ele aquela resposta parecia bem racional.
         - E você não me disse César, como foi parar ali? – ela realmente parecia precisar de uma reposta.
         - Eu sei como fui parar mãe, fui andando. Fui porque pareciam me chamar. E o pior, era uma voz que tinha cheiro mãe!
         - Droga! Ele disse que isso ia acontecer, mas disse que seria quando completasse 20 anos, não 18 – agora ela parecia estar apavorada – eu não posso te contar, foi algo que seu pai me falou, antes de nos deixar, mas é tão horrível, que eu não posso te contar.
         - Mas que droga mãe! Que droga de história é essa?
         - Vai César, arruma sua mochila com algumas mudas de roupa e vai. – nesse momento ela já estava chorando.
         - Vai? Vai aonde? Que história é essa? A senhora... Nunca vi a senhora chorando... Pra onde quer que eu vá? – agora quem gostaria de chorar era ele, mais por não entender o que estava acontecendo, mas as coisas pareciam estar realmente sérias por ali.
         - Você encontrou a pedra? – agora já estava soluçando, o choro não tinha mais controle.
         - Que pedra? Ah você diz o colar? O que tem ele mãe?
         - Vai César, só vai... Pega suas roupas, um agasalho, enquanto eu preparo alguma comida pra você levar.
         - Mas eu não estou entendendo mãe... O que está acontecendo?
         - Arrume a sua mala como eu lhe pedi, enquanto eu tento me controlar um pouco aqui. Quando você estiver pronto, eu também estarei. – na verdade, não parecia que em 5 minutos ela conseguiria controlar todo aquele sentimento. Mas de alguma maneira, ela conseguiu.
         Quando César voltou do quarto, trazia nas costas uma mochila velha de couro marrom, parecia estar cheia até a metade.
         - Esses são os calçados mais confortáveis que você tem? – ela havia se controlado.
         - São. Agora explica. – ele precisava disso.
         Houve alguns segundos de hesitação. Parecia que sua mãe havia envelhecido dez anos naqueles cinco minutos em que ele estivera no quarto. Parecia que ela carregava o peso do mundo nas costas, porque já não conseguia se manter ereta. Depois de algum tempo, ela parou diante dele, pegou sua face com as duas mãos, ele sentado, ela de pé. Olhou dentro daqueles olhos que pareciam o mar, de tão profundos, e começou a despejar:
         - Eu sempre soube que você era especial, não como uma mãe vê um filho quando ele nasce, porque todas elas acham que seus filhos são especiais. Não, você nasceu especial. Acho que por conta de seu pai.
         - Você nunca quis falar dele, por que agora?
         - Porque o que esta acontecendo agora, é por conta dele. Porque ele sempre foi especial, e porque um dia eu fui bonita, eu tive a minha graça. E foi por isso que você nasceu. Porque ele viu alguma graça em mim. Eu só estive com ele por um dia César, ele não nos abandonou, ele na verdade nunca esteve aqui. Mas nesse único dia em que estivemos juntos, ele soube que você nasceria. E ele disse ao partir, que quando você completasse vinte anos, você seria chamado, pra cumprir o seu destino ao lado dele. Ele disse que você encontraria a pedra, e que a pedra chamaria a voz. Ele disse que a pedra deve retornar ao seu verdadeiro dono, e que eu não deveria impedi-lo, porque se você não fosse de encontro a ele, você teria seu fim, antes de haver começado e...
         César interrompeu colérico:
         - Então você ficou um dia com um lunático, acreditou em tudo o que ele falou, e agora está tão louca quanto ele, e quer me colocar para fora de casa por conta dessa história maluca?
         - Não fale assim César, seu pai não era um louco, pelo contrário, você deve ter respeito, eu nunca imaginei que um homem como ele perderia algum tempo com uma mulher como eu. E ele me deu você César, que é especial como ele.
         - Especial? Mãe? Quem é ele?
         - Eu não posso lhe falar. Você vai descobrir por sua própria conta, na sua jornada. Só vá César, caminhe. Seu coração vai lhe mostrar o caminho que você deve seguir para devolver a pedra. Você precisa fazer isso. As pessoas terem desaparecido de Santa Apolônia não é mero acaso. Você tem que ir sozinho e não deve falar com ninguém a respeito disso. Mas alguns ajudantes irão aparecer pelo seu caminho, tenha certeza, porque você é especial feito seu pai.
         César saiu da casa sem dizer uma palavra. Na verdade, ele não acreditava em nada do que a mãe havia falado. Ele saiu simplesmente para não ter mais que ouvir aquela ladainha toda, aquilo tudo tinha embrulhado seu estômago, de modo que ele havia se esquecido de comer os ovos que ela havia preparado. Então pensou em ir até a casa de seu amigo Gustavo, onde às vezes conseguia filar alguma refeição. Bateu à porta e nada, ninguém atendeu. Olhou para a casa ao lado, parecia mortalmente vazia, nem o cachorro latira como de costume quando algum estranho entrava no jardim.
         Assim, ele simplesmente, resolveu caminhar.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Prólogo



          César vinha descendo a montanha, devagar. Era realmente bem lento o seu passo. Estava cansado da jornada. Muitas coisas haviam acontecido nos últimos dias, desde a manhã do sábado anterior, quando a chuva lhe acordou ao cair tempestuosamente pela janela de seu quarto. Tinha acordado no susto, parecia que tinha pressentido o que viria. Mas como poderia? Nada do que ele havia vivido até então, haveria de se comparar com qualquer segundo que ele passara naqueles últimos dias.

          Na madrugada de sexta, enquanto todos deveriam estar descansando, César sentiu a vibração. Ele acordou e simplesmente a sentiu. Cada pêlo de seu corpo se levantou, parecia que havia estática no ar. E ele ouviu dentro da sua cabeça: “César!”. Tentou procurar pela voz, primeiro na cozinha. No escuro, aquela cozinha achatada parecia menor do que realmente era, não se enxergava a coloração azul das paredes, só as sombras dos poucos móveis.  O fogão a lenha ainda com algumas fagulhas, que tentavam se apagar, mas não conseguiam, a noite estava quente demais. Ele continuou pela sala, “César!” a voz dizia. Aquela voz ele nunca havia escutado, ela era doce como veludo, parecia com o som que as flores fariam se pudessem falar, porque aquela voz parecia, para ele, ter até aroma, e era bom, muito bom. A sala vazia parecia estar ecoando aquela voz, mas não estava, porque a voz, apesar de César não perceber, realmente vinha da sua cabeça, não adiantaria tentar procurá-la. Mas ele continuou, e nada achou. A estática continuava no ar, e o cheiro doce também. Ali mesmo ele adormeceu, no meio do nada, no meio da sua procura, e como acordou na manhã de sábado, deitado em sua cama, ele não sabia. O que aconteceu depois foi uma sucessão de fatalidades. Mas isso, vou lhe contando aos poucos.