sexta-feira, 24 de maio de 2013

parte 4


  1. A TARTARUGA

          A chuva foi parando aos poucos, e o céu cinzento deu lugar ao brilho do sol. O calor fazia bem aos dois, dava animo para continuarem aquela aventura. Todas as criaturas da floresta saiam de suas tocas, e todos podiam ver como a floresta se tornara mais verde depois daquela noite de chuva forte. O caminho que percorriam estava difícil, a lama chegava até a metade das pernas do cavalo, aquela cor amarelada de seu pêlo, agora se tornara marrom. Estava cansado, porque tinha que ter mais cuidado ao andar na lama, isso fazia com que tivesse que diminuir o passo, e o peso de César também não ajudava no equilíbrio. Mas mesmo assim ele não desistia.
          Deram mais uma parada para descansar, e César se lembrou que não havia sobrado nada da comida que trouxera. Estava começando a ficar com fome.
          - Escute amigo, sei que está cansado. Enquanto você descansa, eu vou caminhar e tentar achar alguma coisa que possa comer.
          “Por que você não caça algum animal, vi que trouxe uma faca junto com você.”
          - Você está louco? Acha que vou sair por ai estripando esquilos? – e deu uma risada - não meu caro, acho que algumas frutas estarão mais ao meu alcance.
          “Bom, então cuide as frutas que você vai pegar”.
          - Lá vou eu! – e saiu andando pelo meio da folhagem.
          “Não vá longe César” – o cavalo calculou se havia dado tempo de o garoto escutá-lo.
         
          Agora o estômago de César já começava a roncar, e ele tinha pressa em encontrar alguma coisa que fosse possível comer. Também tinha pressa porque pensava que poderia voltar a chover, e isso adiaria ainda mais a viagem deles. Então deveriam seguir em frente o quanto antes. Mas de barriga vazia, ele não seria de muita serventia, precisava encontrar algo. Não quis se afastar do cavalo, temia não encontrar o caminho de volta, portanto ficou dando voltas na mesma área. Foi ai que alguma coisa vermelha brilhou no meio de algumas plantas, eram pequenas bolinhas. A cor era de um vermelho tão vivo, elas realmente pareciam frutinhas apetitosas... Apanhou o que pode colocar dentro da camisa que havia feito de saco. Ficou feliz, pensou que de fome pelo menos não morreria. Até sorriu para si mesmo. Pensou na mãe, e nas delicias que ela sempre cozinhava, imaginou em cada uma daquelas frutas um prato diferente que sua mãe já havia preparado, e foi com água na boca, de cada lembrança boa e deliciosa, que ele comeu uma, duas, três, dez frutinhas. E então seguiu o caminho de volta. Quando chegou ao local onde o cavalo esperava, ele estava comendo também. Comia o capim enlameado que estava ao seu redor. Levantou a cabeça para cumprimentar César, e seus olhos de pavor encararam os olhos azuis de César. César ouviu aquela voz na sua cabeça, como um suplício:
          “Por favor, não me diga que você foi estúpido a ponto de comer isso!”
          - O que? Por quê? Elas estão realmente saborosas meu caro. – e colocava mais uma na boca.
          “CUSPA! AGORA!” – a voz ordenava na sua cabeça – “Não é possível que você não se lembre de nada do que você aprendeu quando era garoto! A primeira coisa que ensinam para as crianças que entram na floresta é que estas frutinhas apetitosas são venenosas César!” - o cavalo parecia estar bufando.
          César cuspiu:
          - Elas não deveriam ser rosa? As venenosas? Eu lembrava que deveriam ser rosa, sim, você está enganado! – ele sabia que não, mas ainda tentava se convencer de que não havia cometido aquele erro tão idiota, e agora pensava que por causa disso, não cumpriria a missão, e nunca mais tornaria a ver as pessoas que ele mais amava, porque ele iria morrer da maneira mais estúpida que ele poderia ter imaginado.
          “O que vamos fazer agora César? Me diga! Me diga como ajudá-lo que eu faço!” – o cavalo estava apavorado, não sabia que direção tomar, não sabia se deveria colocar César nas suas costas e levá-lo de volta à vila. Mas lá também não haveria ninguém que pudesse fazer alguma coisa, disso ele sabia - “Me diga, o que faremos? Quantas horas você ainda tem? Duas ou três no máximo? Suas pernas já estão formigando?”
          Era assim que elas agiam. Eram vermelhas e brilhantes para atrair os idiotas. Depois de algum tempo de ingestão, começavam os formigamentos, de início pelas extremidades. Depois a paralisia do corpo. E por último, o coração deveria parar de bater. E ele estaria duro, imóvel, morto naquele chão úmido e enlameado.
          “O que faremos? Pensa! Rápido garoto!”
          - Eu não sei, se estivesse em casa, provavelmente chamaria o Doutor Pernáculo, o velho saberia o que fazer. Mas aqui...
          “Você deveria chamá-lo então!”
          - Você se esquece de que eu não sei onde foi parar todo mundo! Como poderia chamá-lo?
          “Talvez, não sei, mas talvez você possa...”
          - Não, o que nós temos que fazer é encontrar um rio, para que eu possa beber o máximo de água possível, e assim tentar diluir esse negócio no meu estômago. Vamos! – e subiu nas costas do cavalo – Corra! Corra!
          Ele correu, com todas as forças que tinha, precisava salvar o amigo. Eles podiam ouvir o barulho de água corrente e sentir o cheiro das pedras molhadas. Mas parecia demorar uma eternidade para encontrarem aquele rio. Mas então, finalmente, a floresta deu espaço a uma margem de minúsculas pedras negras, e na beira dela o rio imponente.
          César correu até a beirada das pedras, deitou-se na margem, reuniu os dedos em concha e pegou um punhado. Engoliu com a sensação de estar tomando um remédio milagroso. Na verdade, a água não seria o suficiente para salvar-lhe a vida. A toxina não iria se diluir. Preparou-se para pegar mais um punhado, quando avistou uma grande cabeça verde emergindo da água. Foi então que aconteceu mais uma vez, a voz da criatura na cabeça de César, chamando seu nome. O que ele viu a seguir foi o grande casco, numa tonalidade verde escura, formando imagens quadradas. Aquela tartaruga deveria ter mais de 100 anos, parecia velha e maltratada. Mas não importava, ela estava ali, e estava falando com ele, assim como a voz aveludada e o cavalo o fizeram. E a tartaruga disse a ele:
          “César, o que lhe aconteceu filho?”
          - O quê, mais um agora? Você me escuta? Entende-me? – e olhou na direção do cavalo, que não parecia nem um pouco surpreso com o acontecido.
          “Eu escuto, eu entendo e eu sinto você, sei que há alguma coisa errada. Deixe que esta velha tartaruga, que já viveu muitos anos, conheceu muitos lugares e pessoas, te ajude neste momento difícil. Conte-me o mal que o aflige filho.”
          - Eu comi aquelas frutinhas vermelhas, cerca de dez delas – e apontou para a camisa em forma de saco presa na mochila, sobre o cavalo. Ali ainda haviam cerca de quinze daquelas malditas frutas.
          “Mas você é estúpido ou o que meu rapaz? Quantas vezes já não devem ter-lhe ensinado a não tocar nestas frutas, o quanto são perigosas!”
          - Estúpido pode-se dizer – disse com um sorriso de meia boca.
          “Primeiro você irá vomitá-las. Coloque o dedo na garganta e force pra sair.”
          César obedeceu. No início se sentiu constrangido por estar fazendo aquilo. Depois pensou que eram só animais, não havia motivo para ter vergonha na frente deles. Vomitou o que pôde. Viu os restos vermelhos se misturarem às pedras negras e a água do rio vindo em pequenas ondas limpar a sua bagunça. Sentiu alívio, aquilo teria que funcionar, aquela tartaruga parecia saber o que falava.
          “Agora que você vomitou o que conseguiu, peça ao seu amigo cavalo que adentre uns metros na mata. Lá ele irá encontrar uma planta cujas folhas formam um desenho de coração. Ela é de um tom de verde muito escuro. O gosto é terrível, mas irá resolver o seu problema.”
          O cavalo obedeceu à ordem, e alguns segundos depois retornou com o ramo em sua boca. César mastigou aquelas folhas fazendo caretas. O gosto era amarguíssimo. Parecia que sua língua não queria obedecer à ordem de seu cérebro de mandar aquela pasta amarga pra dentro. Mas ele conseguiu. Alguns minutos se passaram, e o formigamento das pernas não existia mais. Os três se olharam e sorriram, César deu uma grande gargalhada:
          - Então parece que esse final trágico não estava no meu destino. Como posso lhe agradecer velha tartaruga?
          “É só você continuar a sua jornada filho, esse é o seu propósito não é? Eu vim para ajudá-lo. Essa foi a maneira que eu encontrei de fazê-lo. Estou feliz de poder vê-lo vivo e com a alegria de sempre. Afinal, você é especial César.”
          - Parece que as pessoas só têm isso a me dizer ultimamente, o quanto eu sou especial... Pessoas? Animais. E minha mãe...
          Ele se pegou pensando na mãe mais uma vez, como sentia saudade dela e do amor dela.
          - Mas me diga cara tartaruga, onde aprendeu a deter venenos?
          “Ah meu caro, eu já sou muito, muito velho. Já vi muitas coisas boas e ruins acontecerem com as pessoas, e já tive que ajudar muitas delas também. Nós todos temos um propósito nesta vida. E ajudar os outros é o maior deles. Eu não poderia simplesmente ver você morrer envenenado na minha frente e não fazer nada. E foi agindo assim, que eu fui aprendendo certas coisas.”
          - Pois então estou grato, e feliz de tê-lo encontrado.
          César abriu um grande sorriso e pousou uma das mãos no casco da tartaruga. Ela pareceu retribuir o sorriso, mas é claro, animais não sorriem. O cavalo se aproximou dos dois, e César colocou a outra mão em cima de sua pata.
          - Vocês dois não sabem como me ajudaram até agora. Eu não sei se teria forças.
          “Não se subestime meu amigo” – disse o cavalo – “Eu sei que existe muita força dentro de você. Agora vamos, temos que atravessar esse rio. Eu posso nadar, mas não com você em cima de mim. Você nada?”
          - Nado, mas não acho que possa agüentar com esta correnteza e esta distancia entre as margens. Deve ter mais de um quilometro até o outro lado. Acho que depois desse quase envenenamento eu estou sem forças para isto.
          “Não se preocupe filho, tudo o que você tem que fazer é segurar em meu casco. O resto deixe comigo. Sei que sou um tanto vagaroso em terra, mas ninguém nunca falou mal de mim nadando.” A velha tartaruga deu uma risada.

          O cavalo se aproximou da margem e deixou as patas tocarem a água. Sentiu os pêlos arrepiarem de frio. Sentiu o gelo da água. Teriam que ser rápidos na travessia, torcendo para que os músculos agüentassem. Lá se foram os três, César agarrado ao casco da velha tartaruga tentava ajudar batendo os pés, e o cavalo ao lado. A tartaruga tinha razão, dentro d’água ela não perdia em nada para a velocidade do cavalo, nadavam lado a lado.  A diferença é que na metade do percurso, o cavalo já sentia os músculos enrijecendo por causa do frio. E César já não conseguia mais ajudar batendo as pernas. Mas chegaram à margem oposta.
          “César” – disse a tartaruga – “Você precisa acender uma fogueira o quanto antes, senão você e seu amigo não irão agüentar o frio, precisam se aquecer.”
          Com o pouco de forças que ainda tinha, César catou os galhos que achou pelo caminho e preparou o fogo. O cavalo tremendo. Ainda era dia, e o calor do sol ajudava um pouco. Mas seria por pouco tempo, algumas nuvens negras surgiam no horizonte, sinal de chuva para a noite.
          Despediram-se da tartaruga, que ficou no rio, ela não seguiria viagem junto a eles. Ajudou no momento que foi necessária, a partir dali, seria apenas um atraso na vida deles. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

parte 3


        Foram horas de cavalgada e César realmente já não sabia mais onde os dois estavam. O sol parecia querer ir embora e dar lugar a luz da lua. Teriam que parar e levantar acampamento ali no meio da floresta. Foi o que fizeram. Procuraram um local onde pudessem se abrigar caso voltasse a chover, e encontraram algumas pedras formando um abrigo. Foi ali que César acendeu a fogueira com alguns galhos que encontrou pela volta. Depois de devidamente instalados, César comeu uma parte da refeição que sua mãe havia lhe preparado. Ele não sabia quantos dias ficaria fora, e pensou que a mãe, assim como ele, também não deveria saber, uma vez que aquela comida deveria durar no máximo até o dia seguinte. Acho que ela havia subestimado sua fome. Bebeu um pouco da água do cantil, na verdade não sentia sede, o trabalho duro foi todo feito pelo cavalo.
          - Toma, você precisa beber.
          “Na verdade eu não preciso de nada enquanto sou assim César.”
          - Assim? – não seria ele um cavalo de verdade pensava César.
          “Eu estou aqui assim para lhe ajudar, enquanto eu estiver assim, não preciso de nada, porque é a mágica que me torna o que eu sou agora.”
          - Mágica? Mas que história é essa amigo?
          “Eu não posso dizer César, você precisa descobrir durante a sua jornada, até levar a pedra de volta.”
          - Mas então você sabe onde devemos ir? Então essa história toda de pedra e do meu pai ser um homem especial é verdade? Minha mãe estava certa? Por que você não me conta? Eu preciso entender o que esta acontecendo, qual o propósito dessa viagem, de eu conseguir escutar os pensamentos de um cavalo!
          “Calma César. Primeiro, eu não sei onde devemos ir, só estou indo, como você mandou.”
          - Eu não mandei nada meu caro, você que me mandou subir nas suas costas.
          “Foi seu coração César, eu ouvi ele, ele que me disse por onde deveríamos seguir. Todo esse caminho por onde cavalgamos, talvez você não tenha percebido, mas foi você quem nos conduziu por ele, eu pude ouvir cada direção vindo do seu coração, e assim eu sabia por onde deveria seguir.” Houve uma pausa, César estava ainda incrédulo, e o cavalo parecia perceber isso, ele tinha paciência. “Quanto a historia da pedra, de seu pai, eu não sei bem, só sei o que foi dito para você. A única coisa que sei, é que devo ficar ao seu lado até onde eu puder agüentar, para ajudá-lo, como seu amigo”.

          A noite chegou e com ela a chuva, mas pelo menos por aquela noite os dois estariam protegidos. Dormiram com o calor da fogueira, que aos poucos foi se apagando, e a cada estalo das madeiras querendo virar brasa, o cavalo acordava. Pela manhã, a chuva persistia. Caia forte sem dar trégua.
          “César, teremos que esperar a chuva passar para continuarmos a jornada. Não seria nada saudável expô-lo a esta chuva, sendo que ainda precisará de muita saúde para continuar, ainda estamos no começo de tudo.”
          - Sim, tem razão. Ficaremos – e abriu o embrulho de folhas de milho que ainda continha uma parte da comida que sua mãe havia preparado. Comeu vagarosamente, saboreando cada pedaço, lembrando de todos os pratos que sua mãe já havia lhe preparado com amor. Teve vontade de chorar, mas não chorou, apenas encheu os olhos com lágrimas. O cavalo percebeu a angustia de César:
          “Acho que devemos conversar meu amigo, assim faremos o tempo passar mais rápido, enquanto esperamos a chuva cessar.”
          - Sobre o que quer falar? – disse César, engolindo os últimos pedaços da comida – Acabou!
          “Me conte da sua vida meu caro, tem algum amigo?”
          - Tenho sim um grande amigo, que se chama Gustavo.
          “E como ele é?” – César sentiu que o cavalo tentava distraí-lo de sua dor.
          - Ah, sei lá, ele é alto como eu, loiro e está acima do peso – deu uma risada ao lembrar-se da barriga de Gustavo, que costumava ser motivo de piadinhas dos garotos da vila.
          “Não é o que eu quero saber garoto, eu quero saber como ele é para você, que tipo de amigo ele é.”
          - Ah claro – pensou por um instante – Gustavo e eu somos amigos desde criancinhas. Nossas casas ficam bem próximas. Na verdade, eu me lembro bem da primeira vez que o vi. Acho que tínhamos uns sete anos, e chovia, assim como hoje. Eu voltava para casa e o vi sentado na frente da casa dele, estava encharcado da chuva e chorava. Quando perguntei o que houve, ele disse que seu cachorro havia fugido, o cachorro que era seu melhor amigo. Então dei a idéia de irmos procurá-lo. Passamos a tarde na busca do cachorro, até aqui nesta floresta entramos atrás dele. Quando ele finalmente apareceu, Gustavo me olhou e disse “a partir de hoje, meu melhor amigo é você!”. Depois disso nunca mais nos separamos. Estávamos juntos em todos os melhores e piores momentos. Ele sabe tudo sobre mim e eu sei tudo sobre ele, sei das coisas que ele mais gosta, e das que ele mais odeia. Sei como irritá-lo e sei como deixá-lo feliz. Sei que ele sente quando estou triste, e que sempre estará ao meu lado quando eu precisar.
          Havia lágrimas nos olhos do cavalo. Aquela amizade era realmente muito forte.
          - Onde quer que Gustavo esteja agora, sei que está pensando no meu bem estar, assim como estou agora pensando no dele. Esse sumiço das pessoas da vila, isso realmente está me preocupando. Preocupo-me com Gustavo, não sei onde ele está, e isso realmente está me deixando louco!
          “Não se preocupe meu amigo, tenho certeza de que ele deve estar bem, assim como os outros. E tenho certeza também, que como seu grande amigo, ele não gostaria que você desistisse agora, porque talvez disso dependa a volta de todos eles.”
          Os dois ficaram em silêncio, pensando na mesma história que César havia contado, pensando no mesmo momento, o momento em que os dois amigos encontraram o cachorro.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

parte 2


2. O CAVALO

         César caminhou pelas ruelas da pequena vila. Tudo parecia tão vazio, sem vida. As janelas das casas ainda fechadas. Não sentia o cheiro dos pães que normalmente assavam pela manhã, só o cheiro da grama molhada. À passos lentos, César observava tudo ao seu redor, ele crescera naquela vila, conhecia cada pessoa de cada canto que ali habitava. Vivera toda a infância ao lado de seu grande amigo Gustavo. E onde estaria ele agora? Ele que todos os dias vinha lhe cumprimentar na janela e o convidava para entrar. Onde estaria seu melhor amigo? César não sabia, mas instintivamente temia por ele. Andou pela estreita trilha de terra que levava para a saída do vilarejo e encontrou o muro que limitava a cidadezinha, as pedras brancas empilhadas umas sobre as outras não chegavam a bater na sua cintura.
         Enquanto vislumbrava a floresta que se formava na sua frente com toda a sua magnitude, César percebeu algo mágico na natureza: um grande cavalo de pêlos amarelados estava parado ali, olhando para ele, como se estivesse esperando por ele há décadas. O olhar lhe parecia tão familiar, como se o conhecesse, mas nunca havia visto este animal tão maravilhoso na vila. E o que faria aquele belo cavalo ali? Alguém teria o perdido e ele cavalgou sozinho até encontrar a vila? Estaria ele com fome? Sede? César sabia que possuía alguma comida que sua mãe havia lhe preparado para a “jornada” e resolveu oferecê-la ao cavalo. Quando fez isso, o cavalo deu um passo para trás e o olhou diretamente nos olhos, e foi então que algo mágico aconteceu, César pôde escutá-lo, dentro de sua cabeça, assim como havia acontecido com a voz aveludada na madrugada, e o que ele ouviu foi: “Eu não estou aqui para atrapalhá-lo César, nem comer seu suprimento, eu estou aqui para ajudá-lo”.
         - Eu só posso mesmo estar ficando louco – disse César instintivamente.
         “Você não está louco César, você só precisa de tempo para se acostumar com tudo o que virá daqui para frente. E eu, como seu amigo, vou lhe ajudar e lhe conduzir por essa floresta. Você não estará sozinho jamais César, todos que te amam estarão com você.”
         Os pensamentos de César agora se confundiam com os do cavalo, ele realmente estava falando com César, dentro de sua cabeça. E César entendeu quando ele pediu que o montasse e o deixasse levá-lo para dentro da floresta escura.
         - Eu nem mesmo sei para onde estou indo meu caro amigo.
         “Nós iremos descobrir isto juntos César, nós só precisamos continuar seguindo em frente. Vamos amigo, suba e vamos correr um pouco.”
         O cavalo era realmente muito rápido, eles levaram apenas alguns segundos para adentrar na mata. Aquela floresta também tinha feito parte da infância de César. Mas não a floresta inteira, ele só conhecia alguns metros adentro, sua mãe nunca havia o deixado explorá-la a fundo com medo de que se perdesse. Depois de jovem, ele só costumava usar as estradas para ir de uma vila a outra. E a floresta agora, parecia mais bonita do que ele se lembrava. Era primavera ainda e as flores caiam por todos os lados, todas as cores e todos os aromas se misturavam. As abelhas voavam de uma flor a outra, trabalhando para o inverno. Os animais estavam soltos, aproveitando aquele calor que daqui mais alguns meses daria lugar à chuva. Tudo parecia tão vivo, como César nunca havia visto antes, todas as pequenas e grandes coisas desse mundo agora tinham suas cores mais vivas. César ainda não entendia o que fazia ali, mas sabia que era ali que ele deveria estar, naquele caminho, com aquele cavalo. E os dois continuaram enquanto a mata se fechava cada vez mais atrás deles. Às vezes o cavalo olhava para César, com o canto dos olhos, diminuía o passo, tinha medo que estivesse rápido demais para César, e este sabia disso, sentia isso, e tratava de alisar sua cabeça como se disesse: pode prosseguir amigo.

.... continua....