5.
O SONHO
Ao adormecer na floresta, César
sonhou. Estava na floresta, mas não parecia a mesma. As árvores eram
inteiramente negras. O solo era avermelhado. Olhou para suas botas, estavam
cheias daquela terra vermelha. Levantou e sacudiu as roupas, tentando se livrar
da cor de sangue. Olhou em volta, só o preto, por todos os lados. O céu estava
cinza chumbo, como se uma tempestade estivesse a caminho. Podia sentir o vento
quente no rosto, viria chuva. Relâmpagos ao longe, ainda tinha tempo. Percebeu
a ausência dos amigos. Deu-se conta que deveria estar dormindo, tinha
consciência que estava em um sonho, e que a qualquer momento poderia acordar.
Mas por que estava dormindo? Por que ainda não havia acordado, com o tanto
ainda pela frente que teriam que seguir? Fez força, mas nada mudou... Resolveu
prosseguir.
Caminhou sem rumo por entre a
vegetação negra. Não sabia para onde ir. Esperava só passar o tempo para que
despertasse. Mas estava demorando. Quanto mais caminhava na floresta, mais
sentia que estava longe da sua realidade. Chegou até a campina. Parecia a
mesma. Não fosse a grama baixa ser toda em tom vermelho. Olhou para o chão e
viu maçãs, centenas delas espalhadas pela campina. Entendeu tudo. Foram elas
que o trouxeram ali. Continuou pela campina esmagando as maçãs que estavam pelo
caminho. Quase caiu algumas vezes. Olhou adiante, enxergou as montanhas, agora
negras. O gelo que havia visto nos cumes, ali deu lugar à lava. As montanhas
eram vulcões, e estavam ativos. Mas continuou seguindo em direção a eles porque
lembrava que este era o sentido que deveria seguir enquanto estava acordado.
Desejou ter ali seu amigo cavalo para que pudesse correr, a lentidão de suas
pernas o irritava.
De repente, ouviu um barulho, como se
outros caminhassem sobre as maças. Não quis olhar para trás. Ouviu uivos muito
altos, logo atrás dele. Teve que se virar, pois a curiosidade falava mais alto
do que o medo. Quando se virou, deparou-se com seres que não conseguia
explicar. Pareciam grandes lobos, mas não estavam nítidos. Eram borrões de
lobos, nuvens de lobos, sombras de lobos... Não entendia. Aqueles vultos em
forma de lobo foram se aproximando e o cercando. Quando se deu conta, estava
dentro de um circulo formado por aqueles borrões negros. Ele podia os ouvir.
Parecia que todos tinham uma única voz, falam as mesmas palavras ao mesmo
tempo, como uma legião.
“Então estavam apetitosas as maçãs!” –
ouviu risadas – “Você é estúpido demais, não poderá se tornar um deles, nós iremos sumir com todos e tudo
que você conhece, você não tem poder suficiente para se tornar um deles!”
Aqueles lobos pareciam estar com
raiva, estavam o ameaçando.
- Eu sei que isto é um sonho, daqui a
pouco acordarei e vocês não mais existirão!
“Nós sempre iremos existir. Nós
apagamos tudo para dificultar as coisas para você! Mas você insiste em usar do
seu poder! Em criar as coisas em benefício próprio. Você nunca irá chegar até eles. Não tem força para isso. Eles já são muitos, não deixaremos mais
um se unir a eles.”
- Ah! Mas que bom que pelo menos vocês
estão tentando me explicar alguma coisa do que está acontecendo aqui. Vamos,
continuem falando, assim posso ir ligando os pontos e descobrir toda essa
história. Meu pai esta entre estes Eles
que vocês tanto falam?
Os vultos pareceram ter se irritado
com o comentário de César, porque rosnaram todos num mesmo tom. Começaram a
andar em volta de César, como lobos em volta da presa, prontos para atacar.
“Sim, ele está a sua espera! E vai continuar porque você não irá chegar,
não ira cumprir sua profecia! Fraco! Covarde! Não pode se tornar um deles, não tem poder suficiente. Nós não
permitiremos.”
O cerco de vultos parecia se fechar
cada vez mais em volta do garoto. Não tinha medo porque sabia que estava
sonhando, achava que ali, dentro de seu sono, não poderia se machucar. Prestava
atenção em tudo que era dito pelas criaturas, tentando preencher as lacunas da
história que estava vivendo.
- Daqui a pouco eu irei acordar, e
então vocês irão sumir!
“Seu tolo, tão cedo não acordará, pois
foi enfeitiçado. É suficiente ignorante para não saber que a feitiçaria pode
lhe atingir onde quer que você esteja, seja na realidade ou nos sonhos... E nós,
nós somos pura magia!”
O círculo cada vez mais fechado,
depois daquela revelação, começou a lhe apavorar. Os rosnados ecoavam em sua
cabeça, não sabia o que fazer para escapar dali, estava cercado de todos os
lados. De repente, todos ouviram um
rugido estrondoso cheio de raiva, e os as sombras de lobos pararam de avançar e
ecoaram: “Mestre!”
César viu aquelas sombras abrirem
caminho para algo muito maior que se aproximava. Parecia um urso, mas era
extremamente maior, e assim como os lobos, era formado de sombra. Não era
nítido tampouco, mas lembrava a forma de um urso. Entretanto César não poderia
afirmar com certeza que criatura era aquela, de tão grande que era.
Aquela coisa enorme foi se aproximando
do grupo, emanando seu ódio. “Miseráveis, o que pensam que estão fazendo? Estão
revelando tudo para o garoto? Agora ele sabe demais, está em vantagem sobre
nós. Vocês o consideram um tolo, um idiota, mas estão subestimando seu poder.”
Isso tudo era dito entre rosnados, mostrando toda a insatisfação da criatura.
“Por acaso já não viram do que ele é capaz até agora? A ignorância dele sobre a
história era a nossa vantagem, e querem estragar tudo? Façam o que já deveriam
ter feito desde que ele foi enfeitiçado. Removam algo do corpo dele que seja
para ele de grande serventia para a jornada.”
César sentiu o pavor percorrer sua
espinha depois de ouvir a última frase e não pôde se conter:
- Remover o quê? O que pretendem tirar
de mim? Um braço, uma perna?
“Exato” – disse o imponente urso – “
Mas não se preocupe, estamos dentro do seu sonho, ou seja, dentro da sua
cabeça, é um feitiço cerebral. Você não irá acordar sem a perna ou o braço, mas
sim incapaz de utilizá-los. Seus membros estarão lá, mas inúteis. Tampouco você
irá saber o que lhe aconteceu, pois eu mesmo irei enfeitiçá-lo para que não
lembre nada dessa conversa que tivemos, afinal de contas, aqui foi dito mais do
que era necessário e não posso mais correr riscos, você esta muito a frente do
que eu gostaria no momento.”
César ouvia todas aquelas palavras
incrédulo, pensava em como poderia escapar dali, em como foi se meter em tudo
aquilo. Como sua vida era normal até então, o que teria ele feito de errado
para merecer aquele terrível destino. Estava na escuridão, sem os amigos, sem
saber a sua verdadeira história, e o seu verdadeiro destino. Quem era o seu
pai? Se ele era tão poderoso, tão especial e afortunado, por que não vinha ao
seu auxílio? Teve vontade de chorar ali mesmo, pensou que chorando, sentindo as
lágrimas em sua pele, talvez despertasse. Mas também pensou que a última coisa
que queria era parecer um covarde na frente daquelas criaturas. Lembrou de como
o grande urso falou sobre ele ter um grande poder, e quis poder usar o poder
para sair dali. Pensou nos amigos e como gostaria da ajuda deles naquele
momento. E quando todos os lobos se prepararam para atacá-lo de uma só vez, a
mágica se fez.
César sentiu a energia em volta dos
seus braços, como se o agarra-se, e aquela energia toda, ele podia vê-la. Era
brilhante, como feixes de luz e o puxaram para cima, para o alto, longe das
criaturas. Ele olhou para baixo e viu os lobos pulando, tentando alcançá-lo.
Uivavam, irados. O urso parecia não acreditar naquilo, permaneceu imóvel,
derrotado: “Ele está fazendo de novo! Não está mais aqui, está usando a
realidade dele!”
César sentiu outra energia abaixo dele,
era também brilhante e de uma cor azulada, clara. Iluminava tudo a sua volta.
Estava abaixo dele, aquela nuvem de energia, tinha o formato de um cavalo. E
César entendeu na hora, que deveria estar recebendo ajuda dos seus amigos, a
aranha e o cavalo. Sentou sobre a nuvem azul, e então ela partiu veloz pelo céu
acinzentado. Os lobos tentaram seguir atrás, mas era inútil, aquela boa energia
tinha muito mais força. E sumiu,
deixando toda aquela maldade, e seu horrível plano para trás. Sobre o que parecia a cabeça do cavalo,
naquela fumaça de energia azul, havia uma estrela brilhante vermelha. Voaram
pelo céu. César sabia que estavam só seguindo adiante, mas sem nenhum destino,
pois ali não era a realidade. Acordou de bruços no lombo do amigo cavalo,
estavam correndo pela campina. Sobre a cabeça dele, a aranha. Era ela a estrela
vermelha.
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